Saturday, May 14, 2011

(Tragando lentamente o cigarro , e aparando as cinzas no cinzeiro)

Seu nome é Roberto Alencar de Carvalho

(Eu olhava aquela barba por fazer, o sugar do delicioso cigarro, ele não bebia nada além da água, mas não dispensava uma cerveja no fim de tarde.
Eu o vi mais a vontade do que estava acostumada, de chinelos, bermuda, ainda magro mais os cabelos que ocultavam as orelhas não eram o suficiente para ocultar as entradas da testa oleosa. Eram mechas lisas, castanho escuras, com fios brancos, e barba mal feita.
Era um homem que não se dava mas o trabalho de jogar.... era isso, só e tudo isso.
Meu professor de Filosofia)

Filosofia não dá dinheiro não, (e riu) brincadeira, menina ....

( pedi um cigarro, ele me estendeu o maço e o isqueiro)

...Então, acho que se formos por esse caminho você vai conseguir fazer um bom trabalho, tem muito material pra você ler, mas eu vou te passando aos poucos.

(sentou-se)

...É legal quando alguém de psicologia se interessa em estudar esse tema ... afinal o próprio Freud bebeu muito da obra de Nietzsche ... Você tá no caminho certo!

(eu respondi com um sorriso consciente e conversamos sobre outras coisas)

Era bom quando eu morava no Largo do Machado. Tinha uma vizinha minha que veio a estudar comigo no primário, casou-se com um cara da marinha, só que ela não podia trabalhar por causa dele, dava aulas de piano.
O Filho dela foi meu aluno em....., 78, 79... acho que era 78, foi quando eu me separei da minha segunda esposa e vim morar aqui em Laranjeiras.
Você vai gostar daqui, tem muito estudante morando por aqui, pelo menos que eu saiba. É barato! Você conhece o Diogo? Estuda no IFCS também, foi meu aluno...tá morando aqui perto também!

Quantas esposas eu tive,? (risos), tive duas, com a segunda eu tive o Bernardo e a Micaela. Micaela mora agora nos estados unidos, o Bernardo mora com a mãe.
Faz uns 6 anos que eu morei com a Marta, o que vocês chamam de juntar, ... então agente juntou! ela também era separada...

( uma tragada forte) ...Difícil você se separar nessa idade. Na idade de vocês qualquer rapaz e moça já é interessante, na minha época também;
Você conhecia a menina, puxava assunto, comentava da aula, chamava pra estudar junto discutia sobre Marx, dividia um baseado levava na festa que ia tocar a banda de uns amigos seus. O cara se sentia o rei do pedaço, o homem era muito diferente de hoje, do Jovem de hoje; e a mulher também...

( Me encantava com sua figura, como quem se encanta por um livro velho mais interessante, era realmente humano e sem lista de chamada, sem pedestal, estava ali naquela mesa de cozinha, naquele apartamento antigo e azulejos, um jovem cuja carne estampava os anos, cujos olhos estampavam suas histórias, e as prateleiras cheias de livros os quais dependeria muito ainda.

Conversamos boa parte da tarde, falei menos e o deixei falar sobre tudo o que viesse à mente, o ouvir não era nada comparado ao que me passara e a oportunidade de ver um homem mais velho despido de suas proteções, sua Soberba ou qualquer hierarquia que não o permita... ele estava ali, falando de si, me ajudando, me mudado apenas com seu livro aberto, seu cigarro e sua água; e o que exigiu de mim foi nada além da escuta inteligente, da condescendência e o resumo da próxima semana pronto.

Nunca um homem me deu tanto !

Por respeito não contarei aqui a história de Marta, e mudei os nomes, mas me sinto imensamente feliz de guardar comigo o legado real de um “juntar” mais forte do que o tempo possa suspeitar.

Mas uma coisa eu posso falar em tom de cochicho: ele também tinha aulas de piano ... mas nunca de fato aprendeu! )